Nova lei de trânsito permite cometer dezenas de infrações sem levar multa
Aprovado com modificações na semana passada pelo plenário da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 3.267/2019 aguarda envio para votação no Senado.
Entregue ao Congresso há cerca de um ano pelo próprio presidente Jair Bolsonaro, o PL propõe uma série de flexibilizações no CTB (Código de Trânsito Brasileiro) – que incluem dobrar a pontuação máxima da CNH (Carteira Nacional de Habilitação) para que o condutor perca o direito de dirigir.
Outra novidade, que não fazia parte do texto original e foi acrescentada via emenda parlamentar na Câmara, determina que motoristas autuados por infrações leves ou médias sejam dispensados de pagar a respectiva multa e receber pontos no prontuário – a única condição é de que não tenham cometido infração idêntica no período de 12 meses, contados a partir do recebimento da notificação.
A redação que será avaliada pelos senadores altera o Artigo 267 do CTB e diz o seguinte: “Deverá ser imposta a penalidade de advertência por escrito à infração de natureza leve ou média, passível de ser punida com multa, não sendo reincidente o infrator, na mesma infração, nos últimos doze meses”.
Atualmente, esse artigo já prevê o benefício, que deve ser solicitado pelo motorista no mesmo prazo concedido para apresentação de defesa prévia ou indicação do condutor infrator.
A grande diferença é que, hoje, o CTB faculta à autoridade de trânsito decidir se vai ou não conceder a vantagem. Mesmo que o solicitante não seja reincidente naquela infração específica, poderá ter a vantagem negada, dependendo do seu histórico.
O poder decisório da autoridade de trânsito quanto a esse aspecto foi retirado do Artigo 267 por meio da emenda apresentada pelo deputado Maurício Dziedricki (PTB-RS). Ou seja: basta não ter repetido a mesma infração leve ou média que o direito está garantido – desde que se faça a solicitação dentro do prazo, ampliado dos atuais 15 dias mínimos para 30 dias no projeto de lei.
Como existem mais de cem infrações leves ou médias, na teoria é possível que um condutor cometa todas elas apenas uma vez no prazo referido que ele receberá apenas advertências por escrito.
Estacionar no acostamento, parar sobre a faixa de pedestres e conduzir veículo sem o porte dos documentos obrigatórios, por exemplo, são infrações leves, com multa de R$ 88,38 e três pontos na CNH.
Ficar sem combustível em via pública, estacionar em local proibido e transitar em velocidade 20% acima da permitida, por sua vez, são infrações médias – passíveis de multa de R$ 130,16, mais quatro pontos no prontuário.
Essa liberalidade é contestada por especialistas em legislação de trânsito, que propõem ao Senado retificar o trecho do PL.
“A proposta aprovada pela Câmara retira a faculdade da autoridade de avaliar qual é a medida mais educativa. Além de tornar obrigatória a concessão do benefício ao infrator não reincidente, permite que ele cometa inúmeras infrações leves ou médias, no período de 12 meses, e possa requerer a advertência. Trata-se de equívoco que deve ser corrigido pelo Senado, pois, do contrário, beneficiaremos o infrator contumaz e não aquele que comete uma ou duas infrações leves ou médias no ano”, avalia Marco Fabrício Vieira, conselheiro do Cetran-SP (Conselho Estadual de Trânsito de São Paulo) e autor do livro “Gestão Municipal de Trânsito”.
Julyver Modesto, mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, que atua como consultor e professor de legislação de trânsito, aguarda a definição do relator do Projeto de Lei 3.267/2019 no Senado para solicitar que o texto do Artigo 267 seja modificado.
“Essa mudança no 267 foi decorrente de emenda incorporada pelo relator e aprovada pelos demais parlamentares. Acredito que a maioria nem percebeu o reflexo prático da alteração. Minha sugestão será exatamente esta: que a advertência seja aplicada apenas ao condutor que não tenha cometido nenhuma infração de trânsito nos últimos doze meses”